CASSETE SALVA PESSOAS
Ora, os
jemeias tinham vários tipos de estratégia para agarrarem pessoas para ir à
tropa ou para as moças se filiarem na jura, organização femininas dos jemeias.
Um deles é este: A partir de Agosto, quando o povo começa a trabalhar nas
lavras, os jemeias paravam de rusgar. E assim, os bairros estavam calmos, e o
povo trabalhava em paz. Até os que fugiam para Gabela, Sumbe e Luanda, áreas
consideradas de "zonas dos Sabeus " (MPLA) „ voltavam para os seus
bairros controlados pelos jemeias. Eles não voltavam porque gostavam de jemeias
ou Sabeus; Eles eram pacatos cidadãos e trabalhavam para sua sobrevivência. E
assim faziam, não somente os do Kwanza-Sul, os de Benguela, Bié e outros pontos
de Angola faziam o mesmo. Os jemeias não rusgavam, durante os três meses de
"niminó” (Semeaduras, sacha e capina). Nesse caso, as pessoas enchiam os
Bairros e os trabalhos nas lavras iam de vento em poupa. E o povo esquecido,
estava em paz, porque nenhum soldado jemeia passava no Bairro incomodar
gentes, senão pedir comida para a tropa.
Mas, de Janeiro à Agosto e quando os mantimentos
já estão prontos para a colheita, os jemeias começam a rusgar porque os Bairros
ficam repletos de gente e assim, os soldados conseguem apanhar muitas pessoas e
enviá-las para longe da família; e foi o que aconteceu; Avô Enviado estava no
Bairro Capunda e estávamos em Fevereiro de mil novecentos e noventa e quatro.
Menezes Godinho tinha ido à Kibala visitar sua mulher e buscar Yola, a filha
dele. Avô falou com Zito e Beto para que entrassem na casa Kalekela à fim de
gravar umas cassete de hinos de louvor, como era o costume dos Kalekela. Beto e
Zito, com as quatro meninas entraram na casa Kalekela. Naquele momento surgiu
um batalhão de tropa jemeias e cercaram o Bairro todo. O batalhão estava
dividido em três e o primeiro grupo estava na pedra da Capela Católica, olhando
para classe onde estava Avô Enviado. Um dos jemeias entrou na classe e olhou
pela janela da casa Kalekela para ver se tinha alguma pessoa escondida lá. Mas
o protetor dos filhos do Deus Eterno fez com que o homem não visse ninguém. Mas
as lindas moças que os jemeias procuravam estavam mesmo dentro de casa e também
os moços que tinham forças para agarrarem em morteiro estavam com elas.
Beto porém, saiu de casa para
cozinha conversar com a mãe Rita. Mas não conseguiu falar à mãe o que tinha lhe
levado lá, porque o Jemeia que tinha olhado na janela da casa Kalekela o chamou
e mandou que fosse à pedra junto aos outros apanhados. O soldado alegrou-se
tanto com isso e disse:
“Que vitória! Os homens fortes que
precisávamos estão aqui em Capunda! Agora já vencemos! Vamos embora, mas
voltaremos amanhã.”
Enquanto isso, Rita a
mãe do Beto saiu rapidamente da cozinha e foi ter com Avô Enviado. Entrou no
quarto sem pedir licença e gritou para Avô: “A pai, a Tatetu! Omoná yaya laye!
Toka u mumbulule” (ó pai, nosso pai. O teu filho vai aí com os jemeias! Vem e
salve-o, por favor.) Avô saiu depressa e dirigiu-se para a pedra onde estavam
os apanhados e os soldados. O que estava em frente dos apanhados era Beto. E é
para lá que Avô se dirigia. Avô Enviado e o irmão Ângelo falaram com o
comandante do batalhão à favor do Kalekela Beto. Mas os outros apanhados e os
soldados recusaram deixar Beto em paz; os outros tinham ódio dele. Avô explicou
a situação do jovem Beto. Ele disse: “O meu Beto é doente e está aqui para ser
curado. Ele também nos ajuda.”
O comandante quis deixar Beto ir com Avô em casa. Mas os
soldados agitando ainda mais ao comandante, disseram: “Ó mais velho. Este homem
é muito forte e já dá para pegar numa mochila com cartucheiras e um pé kapa
eme. Como é que o mais velho deixa ir o homem? Isso não dá! Nós também deixamos
nossos pais e casas.”
Avô Enviado
respondeu, baixando a cabeça: “ Ó irmãos e companheiros! Beto não está indo à
tropa, não é porque gosta só estar em casa ou porque tem mulher. Conforme vocês
estão vendo, o irmão já esqueceu a mãe e não sabe se tem pai. O pai e a mãe sou
eu, e mesmo assim já somos tropas, lutando pela pátria, com músicas. Se o mais
velho já ouviu falar do grupo Kalekela, cujo promotor e dono é Avô Enviado. Este
grupo já atuou em várias províncias do nosso País. Mesmo na campanha eleitoral
de 1992 o grupo tocou para apoiar os dois contendores políticos. Mas os
Kalekela não têm partido nem religião. Eles são como a cruz vermelha
Internacional, em tudo entram. Por isso é que o grupo Kalekela toca até na base
do horizonte.”
Quando o comandante
ouviu as palavras do Avô ficou muito comovido e disse para os seus
companheiros: “ Que humildade tem este menino! Que exemplo de coragem! Afinal
no meio dessa arrogância e injustiça existe ainda justiça e honradez: No meio
dos assassinos e desprezíveis como nós, existe ainda bons homens e valorosos.
Só como este homem respeita os superiores, parece Jesus Cristo que respeitou os
seus pais e amou ate as crianças. Agora pergunto: Onde está Avô Enviado? Eu já
o ouvi dizer, a sua fama corre por toda a parte e até o nosso querido
presidente o conhece. Onde está ele?”
Avô Enviado
respondeu: “Sou eu. Este que, com o meu comandante fala é mesmo Avô Enviado.”
O comandante perguntou, dizendo: “E tens ali uma das vossas
cassetes?” Avô Enviado disse que tinha e mandou que o irmão Ângelo buscasse a
mesma na casa Kalekela. Ângelo trouxe duas cassetes, a do grupo Kalekela e a do
Pepé Kale, um músico congolês. O homem recebeu as duas, mas preferiu a cassete
do Kalekela e agradeceu muito ao Avô Enviado. Dizendo assim à ele: “Ó meu Avô,
meu mestre. Não me esqueças, por favor. Guia-me durante este tempo mau ate ao
advento da paz. Fica comigo e não me deixes, só por causa dos meus pecados.
Quando a paz chegar, quero ver o meu pai e a minha mulher e meus filhos. Tenho
a certeza que assim será!” Avô Enviado respondeu-lhe, dizendo: “Seja feito
conforme a tua fé.”
Depois o comandante
mandou soltar Beto e entregou-o ao Avô Enviado. Este porén mandou que Beto
fosse com Ângelo até à casa Kalekela. Rita, a mãe de Dezanove e Beto Micael
observava tudo à porta de sua cozinha e estava feliz quando viu seu filho à
sair das garras dos jemeias.
Cinco jovens
levantaram-se da pedra e foram levar Avô para casa. Mas não voltaram mais para
junto dos soldados jemeias. Já eram duas da tarde, hora limite para os jemeias
ficar no bairro. Foi dada a ordem para o batalhão se retirar, e os três grupos
foram juntar-se à casa do soba José Mambo. O comandante e os militares que
estavam na pedra da Igreja católica, retiraram-se dali com toda pressa,
esquecendo-se de que tinham deixado mais dez pessoas. Quando os dez apanhados
viram que os jemeias foram embora, fugiram com as suas cordas para as lavras de
Camboti. Mais uma vez a libertação estava nas obras da fé do Enviado, pois, com
uma cassete, salvou pessoas e não deixou que fossem levados pelos jemeias.
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